terça-feira, outubro 19, 2004

Garoto, eu vim prá Califórnia.

Pois é, rapaz, tô aqui na Califa, em São Francisco, essa cidade liberada, muito mais do que a Praia Mole ou a Galheta, nossas praias que o preconceituoso Máurio definiu como “fora de controle”. Aqui já está tudo controlado e as bandeiras coloridas do orgulho gay estão desfraldadas pelas esquinas. E sabe quem eles chamaram para a festa pública da virada (no bom sentido) de ano? Os “macho-man” do Village People que, é claro, transformaram a festa num desbunde total. Foi gasolina no fogo.
Como estou vivendo lá pro meio dos Estados Unidos, onde tudo agora está cinzento e gelado, estava ansioso prá ver o oceano e o sol novamente. E fiquei feliz quando, no trânsito, ao sair do aeroporto, já vi um carro com uma prancha em cima.
Dia desses, solzão – coisa rara no inverno chuvoso daqui – fui dar uma banda pela highway 1, aquela que percorre toda a Califórnia pelo litoral. Desci de São Francisco até Santa Cruz, parando pelas praias, penhascos e rochedos. Percorri uns 150 quilômetros, eu suponho, devagarinho, e vi um monte de gente na praia e outro monte pegando onda. Os “francisquenses” que não surfam, levam suas cadeiras de naylon para a areia, sentam e ficam olhando o mar em silêncio. Coisa de hippie. Não esqueçam que estou no berço deles também.
Observei que a areia das praias estava sempre limpinha e não se via um caquinho de papel que fosse. E olha que eles tão sempre dando um rango. As praias são todas públicas e não se pode construir nada a uma distância mínima delas e, realmente, tenho que dizer que elas estão bem conservadas e cheias de vegetação nativa, mesmo as mais famosas. Além disso, muitas praias são parques ambientais, santuários da vida animal, etc.
Lembrem-se que este é o estado mais rico do país mais rico e capitalista do mundo, onde as garras da especulação imobiliária e os caninos dos hoteleiros são afiadíssimas. Acho que para segurá-los bastou ser honesto, usar a lei e dizer não, né? Tenho a impressão de que os californianos, têm total consciência de que, em regiões onde o turismo é sazonal, como aqui ou o litoral catarinense, hotel só cria subempregos temporários, e as casas e loteamentos, por mais chiques que sejam, acabam por destruir e desvalorizar qualquer praia, além de impedirem o acesso da população.
Outra coisa, na estrada, de vez em quando se vê uma placa que diz o seguinte: “Mil dólares de multa para quem jogar lixo na estrada”. É óbvio que ninguém arrisca.

Surf
Não vou falar que tinha umas ondas porque vocês sabem que aqui, no inverno, tem de sobra. Vi um monte de gente se empapuçando. Além disso, vocês sabem que é nesta região que está o encagaçante Maverick’s. Quem costuma ler essas reportagens chatas de revistas de surf sabe que Maverick’s quebra na Pillar Point, uma península ao lado da praia de Half Moon Bay, a uns 50 quilômetros de São Francisco. Nessa praia, estavam centenas de caboclos pegando umas merrecas, porque nem todo o mundo é doido, né. Prá se alcançar Maverick’s, se tem que estacionar em Half Moon e dar uma pernadinha até o pico. Deixei prá fazer isso na volta e continuei descendo com destino à Santa Cruz.
Quando retornava para São Chico, entrei em Half Moon com intenção de ver Maverick’s mas, como já eram umas 6 horas da tarde, encostei num boteco ali onde fazem a própria cerveja e acabei esquecendo das tenebrosas morras. Também, não ia cair mesmo.
Resumindo, fui à Maverick’s e não vi as famosas e geladas ondas. Mesmo porque, gelada por gelada, a do boteco tava de primeira.

Sinceridade
Entrevista que Brock Little deu pra Interview Magazine em 1991.
Interview: Porque você não diz quanto ganha por mês dos seus patrocinadores?
Little: Porque não acho justo o quanto eu ganho. Eu recebo mais do que outros caras que também descem ondas grandes e, por isso, me sinto culpado. Não é certo. Não deveria ganhar tanto.
Interview: Você já imaginou o quão diferente é a sua vida quando comparada à das pessoas “comuns”?
Little: Oh, claro. É uma comédia o que eu faço prá viver. As pessoas me perguntam o que faço prá ganhar a vida e eu digo “nada, eu recebo um cheque pelo correio e vou surfar. E quando não tem onda no Havaí, alguém me paga para surfar em outro lugar”.
Interview: Surfar ondas grandes é algum tipo de atividade espiritual?
Little: Que nada, nada a ver com isso. É só a coisa mais divertida que tem.

Essas foram as palavras mais sinceras e engraçadas que eu já vi sair da boca de um surfista profissional. Sem aquelas frases místicas, quase sempre carregadas de mitologia havaiana, que muitos repetem. E olha que o cara é bom, hein, e havaiano.

Feliz ano novo prá todo mundo e, em especial, prá quem está no inferno em que se transforma Floripa no verão. Abraço.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo said...

Sim, provavelmente por isso e

4:37 AM  

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