sexta-feira, junho 27, 2008

Violência

Em junho de 2006 retornei para Floripa depois de passar dois anos no exterior. E após este curto espaço de tempo, notei severas mudanças na cidade. E não estou me referindo à feiúra, à quantidade de lajes cobrindo casinhas à beira das estradas para as praias, aos milhares de outdoors, às lojas de material de construção em cada esquina, ao contínuo ciclo de poluição e destruição de praias (destrói e ocupa – inflaciona e elitiza – caga tudo e não limpa – desvaloriza e vai embora). Falo da violência. Não só da violência comum, esta das páginas policiais, do número de assaltos, roubos e assassinatos que também aumentou assustadoramente. Me preocupo mais ainda com um certo clima de violência que está no ar, que está na cara feia daquele transeunte que passa me encarando, do motorista que vem e não desvia de mim quando caminho à beira da estrada, ou que passa rente ao meu carro quando estou dirigindo. Existe algo sim, há, agora, esta sensação na atmosfera florianopolitana, essa convicção de que todos são inimigos, de uma desconfiança geral, de uma competição de esperteza, do quanto mais malvado melhor, e de que se vacilar, dança.
Esta cidade não é nem nunca foi terra de santos, mas que as coisas não eram assim, não eram. Até pouco tempo, éramos meio tansos, meio simplórios até, confiávamos em todo mundo, fugíamos da porrada e só queríamos debochar dos outros. A opinião que eu tenho a respeito das causas desta metamorfose, quero deixar bem claro, não são movidas por nenhuma sentimento xenófobo, mas eu realmente penso que a migração foi o que trouxe essa nuvem de violência que paira sobre Florianópolis. Não que as pessoas que vieram morar aqui sejam bandidas, não que elas tenham promovido isso voluntariamente, não que elas não devessem ter vindo. O que eu quero dizer é que estas gentes todas, escoladas no caos de suas cidades de origem e fugindo dele, acabaram por trazê-lo para cá na forma dessa desconfiança, desse “não levo desaforo”, desse “atiro primeiro, depois pergunto”, dessa insegurança permanente.
Aliado a este fenômeno natural e inevitável – que, no fim das contas, está trazendo Floripa para a realidade do Brasil –, colabora também para ele a índole absorvedora de más idéias do nativo. Na falta de uma cultura local definida, ou por essa tansice a que me referi acima, ele encampa coisas, comportamentos, jeitos de ser, da galera de outros lugares.
É por isso que adolescentes andam pela Lagoa de boné para o lado, roupas de beisebol (roupas de beisebol!!!!) e um berro na cintura, ouvindo rap americano (do qual eles não entendem uma palavra, aliás, a maioria dos americanos tampouco entende) e se comportando com se fizessem parte de uma gang californiana. É por isso, por essa mania de copiar merda, que torcedores do Avaí e do Figueirense, de toca de lã na cabeça em pleno verão, pulam nas arquibancadas imitando a maneira de torcer e os gritos de guerra de times paulistas, e depois vão atirar pedra nos ônibus do adversário para assassinar um menino de 17 anos. É por isso que alguns tarados locais (ou metidos a locais) se enchem de tatuagens ridículas – índios americanos, dragões chineses e os mais variados símbolos tribais dos quais ninguém conhece a tribo ou o que significam – raspam o cabelo, e vão para a praia dar porrada em quem eles intitularem haoles, dentro do mais puro espírito havaiano.

sábado, março 01, 2008

A Mãe do Surf - 3ª parte

Finalmente, terminei esse texto. É que eu andava ocupado e não conseguiria escrever outra porcaria sem terminar essa. Pois bem. É a terceira parte. A segunda e a primeira estão abaixo dela.

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"Isso veio daquela famosa festa no The Glen, quando todos baixaram as calças. Mas não conte a ninguém. Bill estava lá - Bill 'Moondoggie' Jensen". Outras anotações daquele mesmo ano registram outras malvadezas: "Golden Boy enterrou minha prancha na areia e desconectou o distribuidor do meu carro. Atirei um abacaxi na cara dele".
Há, então, uma nota ameaçadora: "alguém pintou uma suástica na nossa calçada". Perguntei sobre a reação da família. O assunto traz tantas más lembranças que Gidget preferiu não aprofundá-lo. Mas a verdade é que a conexão suástica-surf não era novidade. Já nos anos 1930, uma linha de pranchas já a trazia como adorno e ainda hoje permanece a controvérsia a respeito da origem dela, se oriunda dos nazistas ou dos índios, que também a usavam. Houve um tempo em que até a famosa Malibu Shack (espécie de cabana freqüentada pelos surfistas da década de 50) tinha a suástica pintada em uma de suas paredes, embora ninguém assuma ou aponte quem a gravou, ou porquê.
Por volta de 1958, Malibu mudou. Nos registros do diário de Gidget, consta que no dia 30 de junho ela foi assistir às filmagens do longa metragem baseado na sua própria vida. "Meu Deus, sempre achei estúpido ver Sandra Dee interpretando a minha vida. Todos os atores pareciam umas bichonas. Era muito engraçado. Não acreditava que era um filme a meu respeito".
Subitamente cansada, Gidget fechou o diário dizendo, "Puts, isso não está certo. Falamos tanto e eu esqueci de dizer o que eu penso sobre tudo isso".

Tempos depois, acompanhei Gidget em um retorno à Malibu. O dia estava perfeito e a praia não estava muito cheia. “Boas ondas”, observou Gidget. Então, enquanto caminhávamos próximo ao “buraco”, em direção ao local onde antes era o Shack, ela me cutucou, “menina, você viu aquilo?” e tirou suas sandalhas. O ambiente, obviamente, era, para ela, um poço de memórias. “Meu Deus, lá está Mysto”. Mysto George nunca perde um bom dia de surf em Malibu desde 1954, e permanece até hoje, décadas depois de Gidget e seus contemporâneos se dispersarem; até mesmo depois de a rapaziada mais jovem fugir de Malibu por conta do esgoto na água.
De long-john, incluindo capuz, com aqueles mesmos intensos olhos azul-marinho que só alguns surfistas têm, George carregava seu surrado long board, pronto para entrar na água, quando Gidget chegou-se. “Bem ‘bitching”, hoje, heim?”, indagou. “Yeah”, disse George. Conversaram e Mysto perguntou-lhe se gostaria de surfar. Ela, então, disse que vinha pensando na idéia (na tarde do mesmo dia, ela realmente levou sua velha prancha para o conserto).
Alguns dias depois, uma edição comemorativa da Revista Surfer chegou às bancas. Nela, Gidget era a sétima na lista dos 25 mais importantes surfistas do século XX. Tratava-se de um registro corajoso deste clássico periódico da “surf culture” norte-americana, sempre tão masculino, na qual a mulher poderia até ter certo espaço mas nunca o suficiente para ser incluída em um ranking de tamanha importância. Eram apenas duas mulheres presentes e Gidget não estava muito abaixo de Duke Kahanamoku – o havaiano universalmente adorado, pai do surf moderno – mas ficava acima de Miki Dora, reverenciado como pai do “surf style”. A posição dela, tão próxima desses deuses, deixou muita gente do “surf establishment” surpresa, mas a coisa já estava feita: a não-assumida surfista teve finalmente seu valor reconhecido por aqueles a quem ela tinha inspirado até o “ganha-pão”.
Com a virada do século, enquanto personalidades importantes e países pedem perdão uns para os outros por comportamentos errôneos do passado, talvez em preparação para o apocalipse, ou talvez apenas porque é chegado o tempo, é bom saber que Gidget por fim foi justiçada.

domingo, setembro 23, 2007

A Mãe do Surf - 2ª parte

A primeira parte está no post abaixo. Eu ia fazer em duas partes, mas ainda falta mais um pedaço que publicarei na semana que vem.

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Não é difícil entender porque Frederick Kohner fascinou-se com as estórias da praia contadas por sua filha. Ele e seus dois irmãos cresceram na Tchecoslováquia, na cidade de Teplitz-Schorau. Seu pai, Julius, era dono do cinema local. Em 1921, Paul, o primogênito, uniu-se à primeira leva de imigrantes judeus que se mandou para Hollywood. Em poucos anos, ele já era um agente poderoso, empresariando clientes do naipe de Ernest Hemingway e Ingmar Bergman. Walter, o mais novo dos irmãos, mudou-se para Viena e ingressou em uma escola para atores. Frederick embarcou em uma carreira de roteirista, na Alemanha, de onde partiu após assistir à estréia de um seus filmes, em Berlin, e descobrir que Goebbels tinha ordenado a remoção de todos os créditos com nomes judeus da fita. Foi para Los Angeles e encontrou trabalho na Columbia Pictures, estabeleceu-se na praia com sua mulher e criou duas filhas. Roteirista produtivo, teve, inclusive, um de seus trabalhos indicado para o Oscar de melhor filme em 1938.

O sol de Hollywood lançou seus encantos sobre os filhos dos imigrantes do leste europeu, principalmente durante a fabulosa década de 1950. Gidget passou a despender todo seu tempo livre na praia - depois da escola, depois do trabalho, ou quando sua família visitava amigos da colônia judia de Malibu. "Eu e meu pai caminhávamos até a praia", lembra, “e eu lhe falava a respeito de todos os surfistas e da vontade que tinha de escrever um livro. Foi então que ele sugeriu ‘por que você não me conta essas estórias e eu as escrevo?’. ‘Ok’, concordei”.
Gidget se tornou musa do próprio pai, narrando-lhe contos sobre bitchin' surf (nota de tradução - algo como surf radical, eu acredito), morras gigantes que vinham do japão e de como escapava da morte após vacas impressionantes. Deslumbrado, Frederick prestava total atenção à linguagem de sua filha (que tinha o inglês como primeira língua. A dele era o alemão). Com permissão dela, ouvia, inclusive, suas conversas telefônicas. Totalmente envolvido pelo assunto, Frederick escreveu o livro em seis semanas, transformando as estórias e conversas de Gidget em um elegante romance, publicado em 1957. A obra refletia as preocupações daquele tempo, da bomba atômica a Fats Domino, apesar de um tema ser o dominante: a paixão de Gidget pelas ondas do mar.
"O grande Kahoona", a personagem de Gidget no livro explica, "me mostrou, na primeira vez, como me ajoelhar, levantar os ombros e puxar o corpo, para rapidamente me levantar, com um pé atrás e outro mais na frente em apenas um movimento. Coisa bem complicada. E então, quanto mais eu tenho a manha de pegar onda, mais eu ficou louca para surfar e quanto mais louca eu fico, com mais afinco eu me dedico". Esta é uma das melhores descrições do ato de surfar que eu já li e apenas gostaria de ter lido isso antes, quando era uma garota que brincava com pedaços de madeirite nas ondas nojentas do lado Erie.
No final deste encantador conto de verão, enquanto Moondogie confrontava Kahoona por ciúmes, Gidget voava em sua prancha. Era um clássico dia de bitchin' surf e, realmente, quebravam altas e grandes ondas. Em um momento épico que se perdeu nas incontáveis versões e remontagens para cinema e tv, naquela passagem que transformou este livro em uma espécie de O Apanhador no Campo de Centeio (dêem uma googlada e descubram que livro é esse) para meninas, Gidget ignora os avisos de seus amigos e continua remando para o outside. Desafiando as convenções sociais – ao não voltar para o santuário da terra firme e para sua vida de classe-média – e sem qualquer interesse pelo o quê lhe aguardava nos próximos anos, tudo o que ela queria naquele instante era surfar, segura de que qualquer que fosse seu futuro, ela sempre estaria entre os melhores. "Arrepia, Gidget", gritavam os rapazes enquanto ela descia mais uma. "Arrepia, Gidget". E ela arrepiava mesmo.
Então, bem antes da onda feminista das décadas seguintes, o livro leva a uma conclusão radical, nunca transmitida por qualquer uma das outras versões de “Gidget”: a percepção da personagem de que nunca esteve apaixonada por Moondogie ou por Kahoona - ela era demais para previsíveis garotos. O que ela realmente amava era sua prancha e o mar.

Quanto terminou seu pequeno surf-romance, Frederick mostrou-o para Paul, que o detestou e mandou o irmão procurar outro agente. Frederick, então, procurou William Morris e um contrato de lançamento foi imediatamente fechado, incluindo os direitos de filmagem, que foram vendidos à Columbia por US$ 50 mil. Frederick deu 5% a Gidget (ato que, hoje em dia, seria chamado de compra dos direitos de uso da história).
O livro estourou alguns meses antes do famoso Lolita, de Vladimir Nabokov – outra estória escrita por um imigrante europeu que também trazia uma menina adolescente como protagonista – e comparações favoráveis a Frederick foram publicadas. A crítica aclamou o trabalho original de Kohner que trouxe à tona uma curiosa subcultura, que também surpreendia pela quantidade de gírias americanas aprendidas pelo escritor estrangeiro. O surf explodiu muitos anos depois; quem melhor para divulga-lo do que o próprio pai da fada marinha Gidget, um homem que fugiu da Europa Central e foi hipnotizado pelas ondas e por aqueles que as cruzam em busca da liberdade?

Enquanto passeava pela cozinha de Gidget, ela me falava de um segredo a ser revelado: seus diários e álbuns de fotografias – os cálices sagrados da cultura contemporânea do surf – estavam dispostos sobre a mesa. Ela os trouxe de um esconderijo secreto antes de minha chegada. Além de surpresa, eu estava um pouco nervosa, afinal, que gênio sairia desta lâmpada depois que eu abrisse aquelas capas?
“22 de julho de 1956.” Gidget lia, “Fui para praia hoje de novo. Eu amo aquilo lá. Caí três vezes mas peguei apenas uma onda. Sentamos todos no ‘buraco’, fumando e bebendo. Deus impediu que meus familiares me vissem ali (Gidget alega que, apesar de possuir e estar presente em várias fotos do “buraco”, não lembra de ter bebido alguma vez).
Ela briu um dos álbuns e passeou pelas páginas de fotos em preto e branco até que algo atraiu sua atenção. “Oh, meu deus”, disse, “olha isso”. Era uma bela foto do “buraco”, que não passava de uma área mais baixa da praia, onde ela costumava se sentar e fumar na companhia de Mickey Dora, Tubesteak e outro surfista legendário chamado Johny Fain. Era o tipo de foto pela qual qualquer colecionador arriscaria a vida. “Ouça isso”, falou, cada vez mais empolgada com as memórias que aquelas imagens ressuscitavam.
“16 de junho de 1957. Cara, hoje o dia foi demais. Todo mundo estava na praia. Peguei altas ondas e todo mundo viu”. Ela me sorriu e passou para o próximo álbum. “3 de agosto de 1957. Hoje tinha altas. Nem pude acreditar. Peguei umas boas”.

Um cartão de visitas, que caiu do meio das páginas, continha o seguinte:

The Glen
Ligue ou apareça quando quiser.
937 No. Beverly Glen
GR 9-6945

“Oh, meu deus”, repetiu Gidget, estudando o cartão enquanto era transportada para a cena. “Isso veio daquela famosa festa no The Glen, quando todos baixaram...” [continua na próxima semana]

domingo, setembro 09, 2007

A Mãe do Surf - 1ª parte

Quem gosta mesmo de surf e conhece um pouco da história do esporte, sabe de cor o nome de vários caras pioneiros, dos desbravadores, daqueles que inovaram e foram os pais do surf como ele é hoje. Pouquíssimos, no entanto, conhecem a mãe do surf. Os parágrafos abaixo compõem uma tradução não muito livre do texto intitulado The Real Gidget, de Deanne Stillman, publicado no livro Surf Culture, The Art History of Surf. Este post será divido em dois e esta é a primeira parte. Se você surfa, conheça, a seguir, a sua mãe.
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O nome do restaurante Taco Bell de Chihuahua é Gidget, que é o que está escrito na placa do banheiro feminino do restaurante Tres Hombres, no Hawaii. Uma cozinheira, na internet, diz chamar-se Gidget, o Malibu Chicken da Califórnia oferece um sanduíche com este mesmo nome e a Barneys tem uma linha de batons também com o título Gidget. Que é ainda o nome de uma stripper da tv a cabo. E a banda sul californiana Suburban Lawns invoca a mesma entidade na cancão "Gidget goes to hell".

Existe uma pessoa que, ao ouvir a palavra Gidget, seja no nome de alguém, seja em algum produto, tem reações as mais diversas. Algumas vezes, ouvir este nome lhe provoca gargalhadas, em outras, amargas recordações. Há momentos em que essa pessoa tem vontade de processar um ou outro, o que acaba não fazendo simplesmente por não topar advogados. Mas na maioria das vezes, o que ela realmente sente é cansaço, exaustão que lhe deixa em silêncio. Esta pessoa é Gidget – não uma das sete atrizes que já interpretaram a serelepe gatinha de praia que ocasionalmente surfava e que, geralmente, se limitava a correr atrás dos rapazes – mas a Gidget verdadeira, cuja vida deu origem a uma nova cultura e a toda uma variedade de produtos, muitos com seu nome.

Conheci Gidget em 1986, quando escrevia para a série de tv The New Gidget, juntando-me à legião de pessoas que por décadas espelharam-se na sua vida. Eu mantinha como uma das leis da minha carreira profissional nunca associar-me a qualquer projeto que contivesse o termo The New no título, mas como estava quebrada, recém-separada e vivendo a base de miojo, não tinha muita escolha.
E logo descobri que tinha muita coisa a aprender, precisaria de muita bagagem para poder escrever este programa. Afinal, The New Gidget era a ponta de uma extensa linhagem de muitos outros produtos. Tratava-se da seqüência de outra série (Gidget) que havia se originado em um filme (Gidget goes to Rome) que, por sua vez, era baseado em outros três surgidos a partir do primeiro de todos os Gidget, um filme peculiar estrelado por Sandra Dee e seus decotes "cadillac-fin". Até esse não era tão original assim, já que era uma adaptação do livro Gidget, The Little Girl with the Big Ideas. Escrito pelo pai de Gidget, este romance era baseado nas aventuras praieiras que a verdadeira dona do nome viveu em Malibu, durante a década de 1950.
Um dia, um dos produtores da série em que trabalhava entrou no meu escritório acompanhado por uma morena baixinha, quarentona e atraente, que vestia calças coladas e um top. "Esta é a Gidget", disse ele. "Essa Surfava mesmo". Eu a vi e arrisquei um inseguro aceno. Como membro desse aparato que tinha como função gerar uma série longa de tv feita de piadas baseadas em expressões aê-só-irado-bróder-uhuu, coisas sem muito compromisso, de repente cai na real. Descobri que eu teria era que reinventar a vida de uma pessoa de verdade, uma vida que já havia sido reinventada incontáveis vezes. Eu realmente não contava conhecer a fonte do meu trabalho, a mesma que o escritor de surf Craig Stecyk disse haver passado pelo "o mais bem-sucedido e duradouro episódio de exploração adolescente desde Joana D'Arc".
Gidget me pareceu estar desconfortável também. Tentei imaginar como ela poderia se sentir a respeito de todo essa iniciativa boba. Como seria conhecer pessoas que ganhavam a vida inventando estórias sobre um personagem holiudiano para quem ela havia emprestado seu próprio nome?
Então, ela me devolveu um rápido "oi". "Fora da praia, ela é conhecida como Kathy Kohner Zuckerman", continuou o produtor. "Não, me chame de Gidget", disse ela rapidamente, dando ênfase ao nome e deixando ao mesmo tempo a sala. Situação chata, alguém tentou mudar de assunto, o produtor pediu desculpas e, saindo, me ofereceu um "talvez, outro dia" como consolo.
Inesperadamente, meu trabalho tomou uma nova dimensão, tornando-se até interessante. Seria Gidget da religião hebraica? imaginava eu, enquanto observava seus sobrenomes. Tive certeza de que a surfista mais famosa dos Estados Unidos era, na verdade, uma judia, e soube ainda que a rainha das praias californianas - por tanto tempo consideradas domínios de belos louros e louras - tinha uma história de família que incluía a fuga da Europa – e dos nazistas loucos pela pureza ariana – e o encontro com o venerado sonho americano da busca pela felicidade.

Como sempre acreditei que o escritor deve ir às origens de qualquer assunto, decidi que era hora de ler o obscuro livro de Frederick Kohner, o Pai de Gidget. Estranhamente, não havia uma única copia dele na Columbia, o estúdio no qual trabalhava e que já vinha há décadas produzindo coisas com a marca Gidget. Levei semanas procurando. Parecia até que o conhecido romance de surf estava há tempos fora de catálogo, como uma mina de ouro que já se houvesse se esgotado. A biblioteca municipal de Los Angeles não o possuía, tampouco a de Beverly Hills. Nos sebos da cidade também não havia nem sombra dele, só de alguns trabalhos menores de Kohner, como Kiki e Montparnasse and Cherr Papa (ambos, contos a respeito de meninas adolescentes e precoces). Quanto mais árdua se tornava a busca, maior era a minha ansiedade. Finalmente, encontrei a mensagem na garrafa que por tanto tempo esteve à mercê da maré: um livro fininho, de páginas amarelas, que há seis anos ninguém mexia, estava escondido sobre uma pilha de outros trabalhos de autores cujos nomes começavam com K, nas prateleiras da biblioteca pública de Santa Mônica, a cinco quadras da praia. Era como se as ondas o tivessem deixado ali. A pivete, na capa, atraiu minha atenção, convidando-me para me unir a ela e a dois surfistas magrelos sob as palmeiras que compunham o cenário.

"Estou escrevendo isso", começa o livro, "porque uma vez ouvi que, com a idade, tornamo-nos cada vez mais esquecidos e eu seria a mais desconsolada das mulheres se por qualquer motivo eu esquecesse o que aconteceu neste verão". Na pessoa de uma adolescente que descobre e se apaixona pela vida, utilizando um vocabulário até hoje usado pelos surfistas, Kohner descreve o verão em que Gidget completa 16 anos e aprende a surfar. O resultado é essa história tão contada e recontada que acabou por atrair incontáveis malucos para a costa sul californiana, enfezando os surfistas locais que pensavam serem privadas as ondas da região.
Esperei alguns meses e, mesmo após a The New Gidget ser cancelada, busquei manter contato com sua progenitora. Durante as conversas, que se prolongaram por anos, Gidget revelava apenas curtos fatos de seu passado no surf. Sim, ela era judia, e daí? Não, ela nao surfava mais, por quê o faria? Sim, ela estava casada e tinha dois filhos que, ocasionalmente, surfavam. Dizia que gostava dos filmes sobre Gidget, que as séries de tv - todas as três - eram até boas, e que tinha orgulho de ter sido matéria-prima do livro de seu pai e do sucesso que ele obteve. E de repente, ela passava a me entrevistar: "Por que você me faz todas estas perguntas? O que todo mundo quer de mim? Eu era apenas uma garota que surfava, só isso". E, então, o diálogo se encerrava.
Então, há alguns anos ela me chamou para sua casa. "Você pode vir agora?", ela me perguntou com um certo ar impaciente, de menina. "Estou completando 60 anos. Está na hora de falar sobre Malibu".
Malibu, a que ela se referia, resumia todos os aspectos da vida em Malibu Point de 1956 até 1959. Neste sagrado templo do surf, figuras legendárias como Mickey "Da Cat" Dora dançavam sobre as ondas e para as lendas. Mysto George, The Fencer, Moondoggie, Golden Boy, Scooter, Meatball, Meat Loaf e Tubesteak adotaram a precoce adolescente e a apelidaram, como faziam uns com os outros, baseados nas suas mais notáveis características: ela era uma menina (GIrl) – uma das poucas que surfavam naquele tempo – e media um pouco mais de um metro e meio, ou seja, era uma anã (miDGET). Nasceu uma sereia: Gidget.

Visitei a modesta casa de Gidget, um sítio em um calmo vale em Pacific Palisades, a minutos da praia. Ela e Marvin Zuckerman, seu marido dez anos mais velho, estudioso de idish – idioma judeu da Europa Central – e coordenador da universidade local, viviam naquele lugar desde que se casaram, em 1964. Quando se conheceram, Marvin não conhecia Gidget - o filme –, tampouco tinha familiaridade com a cultura praieira. "Cresci em Nova York", disse ele. "Sou um acadêmico. Só assistia a filmes estrangeiros". Até aquele momento, ele ainda não havia tentado surfar mas Gidget o ensinara a esquiar, atividade que praticavam freqüentemente no Sun Valley, em Idaho, durante as férias familiares. Seus dois filhos já eram adultos, apesar de Gidget ainda se referir a duas camas dos quartos vazios como a do Phil e a do David.
Ainda elegante e em forma, Gidget me guiou por sua casa que, à primeira vista, parecia de um colecionador de coisas antigas do velho mundo. Havia muitos livros e um piano (outro hobby da dona da casa). E no corredor, me deparei com uma grande foto em preto e branco de uma linda menina na praia com sua prancha, vestindo um sorriso inocente e o modesto maiô dos anos 1950. "Esta sou eu", disse ela orgulhosa. Nesse momento, a Gidget que me falava parecia tão feliz quanto a da foto. Neste instante ela se tornara uma Gidget diferente daquela que conheci na Columbia. "Esta é a foto que saiu na Life Magazine".
Eu reconheci aquela foto embora não lembrasse quando e onde a havia visto. Era uma imagem daquelas que resumem tão perfeitamente um mundo, uma cultura, que não restava mais nada a dizer. A Gidget daquela foto era a mesma que inspirou o surgimento de um novo estilo de vida litorâneo, aquela que deu origem a tantos projetos e produtos e que agora me carregava através de seu passado. Nos dirigimos ao pátio enquanto ela me contava como tudo começou. "Vivíamos em Bretwood", disse. "Minha mãe costumava dar carona para alguns garotos vizinhos até a praia. Eles colocavam suas pranchas sobre o carro. Eu ia junto. Queria surfar. Parecia tão divertido. Enchia o saco de todos pedindo que me ensinassem. Me lembro de perguntar ao Scooter se o estava incomodando. “Não, só quando respira”, disse ele. Havia o Tubesteak, que vivia em uma cabana. Alguns outros estavam sempre por ali, sempre famintos. Acredito que a maioria viviam por ali mesmo".
A região da cabana citada por ela era um desses locais santos do surf. Assim como também era The Pit (o buraco). A simples menção deste lugar entre os surfistas, especialmente entre aqueles que corriam Malibu nos anos 1950, provoca lembranças de feitos e personagens em uma espécie de mitologia que uniu para sempre a tribo das ondas. Em suas peregrinações à praia, Gidget levava uma cesta de piquenique cheia de sanduíches que costumava trocar com Tubsteak pela utilização da sua prancha. Não demorou muito até ela comprar a sua própria por 35 dólares de Mike Doyle, um conhecido shaper local. "Gostaria de ainda ter essa prancha", lamentou. "Era azul e tinha um totem desenhado nela. Hoje, ela valeria uma pequena fortuna". Segundo Craig Stecyk, Gidget subestima o seu valor. "Se somarmos todo o comércio gerado pelos filmes e séries de tv", alertou, "sem mencionarmos toda a indústria do surf que irrompeu nos anos 1960, temos um império bilionário armado quase que inteiramente nas costas de Gidget".
E realmente, a não ser pela grana gerada pela utilização do nome Gidget em uma série de negócios (que não é tanto assim, já que se tratavam de acordos feitos na década de 1950, quando os valores eram minúsculos comparados aos de hoje), não se pode dizer que a Família de Gidget está com a vida garantida economicamente. Mesmo assim, nas últimas 4 décadas, a cultura do surf e da praia gerou negócios milionários para um grupo de surfistas do sul da Califórnia. Alguns deles vêem graça quando alguém sugere a responsabilidade de Gidget pelas ondas com as quais eles lucram, outros simplesmente ignoram o papel dela e de seu pai na divulgação da cultura do surf mesmo entre pessoas que vivem longe do mar ou que não têm qualquer intimidade com ele.

sábado, julho 28, 2007

Nossos governos na TV

1) Noticiário de duas semanas atrás sobre os primeiros R$ 210 milhões (de um total de R$ 1 bi) que o governo do Estado vai receber do Banco do Brasil por conta da incorporação do Besc. Aí o apresentador foi discriminando o que o se vai fazer com essa primeira parcela: R$ 60 milhões vão para a segurança - imagens de viaturas policiais passando; R$ 10 milhões vão para a saúde - imagens de gente largada pelos corredores dos hospitais; R$ 10 milhões vão para a educação – imagens de criancinhas comendo a gororoba da merenda; 50 milhões para infra-estrutura - imagens de asfaltamentos e de cidadezinhas aí pelo interior, e os restantes 80 milhões vão para.... para.... a reforma da Ponte Hercílio Luz. Porra, mais de um terço da verba vai pra ponte (E olha que semana passada morreram 3 nos hospitais de Floripa por falta de atendimento)! O que já botaram de grana nessa reforma (que já se arrasta por mais de 20 anos) daria pra construir umas 4 outras pontes.
Antes eles disfarçavam, pelo menos.

2) Noticiário da semana passada sobre a visita da Delegada Vergara à Câmara Municipal de Florianópolis por conta da Operação Moeda Verde. Ela estava lá sentada, os vereadores fingindo que não sabiam as respostas para o que perguntavam e ela fingindo também que não sabia que eles sabiam. Bom, toda aquela encenação rolando e eu só prestava atenção em uma coisa, um objeto disposto à frente da policial: um copo de cristal com um brasão do município. O pessoal da nossa câmara, a PÚBLICA, que, diga-se de passagem, é uma das mais caras do país, tem entre seus mais de 200 (é isso aí mesmo, mais de DUZENTOS) funcionários pessoas que se ocupam de organizar licitações (pelo menos deveria ser por licitação) para a compra de copos com o brasão do município impresso.
O último a sair, que roube a lâmpada.

quarta-feira, julho 25, 2007

Surf Music II

Em um daqueles dias de sol de outono, quando já está meio frio mas a luz é perfeita. Tás vindo do sul da Ilha, após horas de matadeiro e de almoço em algum buteco do Pântano do Sul. São 5 horas da tarde e o sol está se pondo.
A loura, uma turista sueca de quase dois metros que conheceste na noite anterior, vai agarrada ao teu pescoço. Na altura do Morro das pedras, ela se depara com todo aquele visual, puxa a tua cara e diz com aquele sotaque: "Acho que te amo". Aí, tu olhas pra ela e falas: "quié isso, galega, olhó...
E o som que rola no toca-fitas está AQUI .

segunda-feira, junho 18, 2007

Tudo que a manezada diz vira lei.

Gostaria que alguém me esclarecesse em que baseiam-se os pescadores para acusar de "espanta-tainhas" o movimento dos surfistas na arrebentação. Baseados em que trabalho científico, em que relatório biológico, eles apontam o surf como a causa da baixa safra no Moçambique? Será que simples pranchas e braços em meio ao caos que já é a arrebentação das praias (que são públicas, diga-se de passagem) espantam mais os peixes do que barcos, remos, motores e redes? Gostaria de saber também quantas pessoas vivem, hoje, exclusivamente da pesca artesanal na Ilha de Santa Catarina e a importância da tainha no sustento desse pessoal. Não acredito que esses dados representem algo importante o suficiente para justificar a paralisação das atividades de dezenas de milhares de praticantes do surf - o segundo esporte mais praticado no Brasil - em Florianópolis.
Mais do que um meio de sustento, a pesca artesanal passou a ser, hoje, uma atividade cultural e os esforços pela sua preservação se justificam. Mas infelizmente, os tempos mudam e como tudo mais, a pesca artesanal também precisa se adaptar a estas mudanças. Afinal, o surf só tende a crescer e a pesca artesanal, como a caça, como a coleta de frutos na mata, deve ir desaparecendo aos pouquinhos, pelo menos como base do sustento de alguém.
O negócio é que tudo que os “manés” dizem vira lei. Ninguém pode com esses caras, não tem policia, não tem governo, não tem ciência, não tem jiu-jitsu, nada. Grande parte da responsabilidade disso acontecer pertence aos manés urbanos e aos forasteiros que endeusam o nativo das praias, que acham tudo que ele faz lindo, e engraçadinho. Daí, dá nisso: pescador expulsando gente da praia, neguinho entrando na casa dos outros atrás de boi e etc.