Lendas do Surf Suburbano I – O surf cafajeste de Paulo Picareta.
Lá no Estreito havia um cara, um surfista, que levava uma vida bastante curiosa. Não adianta, não vou dizer o nome dele mas vamos chamá-lo de Paulo Picareta. Ele tinha uma apelido mais ou menos igual a esse e quem o conheceu vai lembrar na hora. Eu não tinha nenhuma amizade com essa figura, mas soube de muitas das suas histórias sobre quais não posso garantir total veracidade, é claro.
Vamos, então, descrevê-lo: cabelo clareado (com parafina, tinta, sei lá), tatuagens enormes (incluindo o indefectível dragão), sempre bronzeado, sempre cheio de gatinhas e sempre, sempre duro de grana. Essa última característica era a que fazia Picareta – num ato de desespero – se virar de qualquer maneira e, por isso, foi ela que lhe deu esse apelido carinhoso. Mas, antes de mais nada, o Paulo era uma pessoa popular – todo mundo conhecia – apesar de ele, no meu entender, não ter muitos amigos. Primeiro porque ninguém o levava muito a sério, segundo porque ele não tinha concentração suficiente para amizades. Acredito mesmo que ele não conseguiria prestar a atenção em qualquer coisa por muito tempo, muito menos numa pessoa. A não ser, é claro, que essa pessoa fosse do sexo oposto. Nesse caso, Picareta poderia dedicar até algumas horas de devoção. Era uma criatura simpática, o Picareta, ninguém pode negar.
Quanto ao surf, bem, aí é que a coisa pega: o nosso Picareta era calhorda, não surfava nada. O que era compreensível já que, pobre, não tinha muitas condições de ir à praia constantemente e, diziam os maldosos, tinha um pouco de preguiça de passar arrebentações, remar correntezas, essas coisas que – eu compreendo – são chatíssimas. É, ele não pegava onda. Mas fazia onda que era uma beleza. Tanto que, quem não conhecia esse detalhe, quem nunca o havia visto surfar ou tentar fazê-lo, apostaria na ferocidade do seu surf. Tenho certeza que até ele mesmo acreditava. Porque só dessa forma, só acreditando muito no que diz, se consegue não deixar dúvidas em ninguém.
Poucas vezes ele cometeu falhas que comprometessem seu cartaz. E nessas poucas vezes, a falha resultou dessa autoconfiança maluca que ele tinha. Esse negócio de acreditar nas próprias fantasias, não tem? Um desses momentos se deu quando, se eu não me engano no Morro das Pedras – praia onde o pessoal do Estreito é local – estava acontecendo um campeonato entre os estreitenses. O Picareta, que estava ali só de passagem, não se conteve quando a rapaziada, todos conhecidos, botou na sua cabeça que o campeonato estava prá ele. Não foram necessários muitos “vai Paulo, vai Paulo” para ele entrar em um transe alucinógeno-vaidoso e esquecer que não tinha surf suficiente nem prá enfrentar o Morro, quanto mais prá um campeonato. E ele se inscreveu. Quando deu por si, “Inês já era morta”.
Pior é que o mar não estava pequeno e acredito que ele só se tocou da cagada quando teve que furar a primeira espuma, aquela que esfriou a sua cabeça. Porque, quem o viu entrando n’água, diz que suas feições sérias pareciam indicar que a bateria estava no papo mesmo. Mas após esse primeiro espumeiro, esse que o trouxe de volta à areia e à vida real, posso imaginar o conflito mental que se estabeleceu em cima da sua prancha, o medo do Morro das Pedras grande misturado à vergonha de mal conseguir surfar, nem ficar em pé direito e, acima de tudo, o medo de ser descoberto. Meu deus, Picareta teve que botar todos os seus criativos neurônios prá batalhar uma saída enquanto se esfalfava brigando contra a arrebentação. Essa, a arrebentação, ele passou se valendo mais da boa forma física que mantinha – era um grande nadador da praia do Cagão – do que da experiência de surfista. Quando ele chegou lá fora e sentou todo desequilibrado na prancha é que, imagino, olhou pro céu e perguntou: “e agora?”.
E a solução abençoada veio. O raciocínio simples e, ao mesmo tempo, espertíssimo deve ter sido o seguinte: se não posso revelar que não surfo nada, o jeito vai ser.... não surfar. E assim fez Picareta, ficou lá fora, na segurança, remando prá lá e prá cá. De vez em quando ameaçava descer uma mas, é lógico, puxava o bico e socava o mar, como que queixando-se da falta de sorte. Detalhe é que seus adversários se empapuçaram. E assim a bateria passou, Picareta pegou uma qualquer lá – das menores, é óbvio – e veio de jacaré.
“Dei azar, não estava me sentindo bem, aquele pão com mussi que a mãe me deu no café não me fez bem, tô cheio de gases”. Pronto, ninguém fez muitas perguntas. Alguns se solidarizaram, outros sentiram até pena da suposta situação gástrica do cara. Picareta estava salvo.
Mais fantástico ainda é que as meninas, muitas, que visitavam o quarto do Picareta – que não só tomava café mas também morava com a mãe – diziam, pasmem, que lá existia uma estante lotada de troféus. O cara, se medíssemos pelas taças, havia sido campeão de uma enormidade de torneios, campeonatos, etc. Alguns de amplitude estadual. Como? Só havia uma explicação: mandava fazer, ou gravava ele mesmo, os próprios troféus. E com estas armas, ele “matava” as cocotas no seu quartinho. “Pôoo, Paulinho, tu já ganhou todos estes campeonatos?”, perguntava a gatinha inocente. “É, eu dou as minhas cacetadas”, dizia o Picaretaço, todo orgulhoso. O guri era um gênio.
Vamos, então, descrevê-lo: cabelo clareado (com parafina, tinta, sei lá), tatuagens enormes (incluindo o indefectível dragão), sempre bronzeado, sempre cheio de gatinhas e sempre, sempre duro de grana. Essa última característica era a que fazia Picareta – num ato de desespero – se virar de qualquer maneira e, por isso, foi ela que lhe deu esse apelido carinhoso. Mas, antes de mais nada, o Paulo era uma pessoa popular – todo mundo conhecia – apesar de ele, no meu entender, não ter muitos amigos. Primeiro porque ninguém o levava muito a sério, segundo porque ele não tinha concentração suficiente para amizades. Acredito mesmo que ele não conseguiria prestar a atenção em qualquer coisa por muito tempo, muito menos numa pessoa. A não ser, é claro, que essa pessoa fosse do sexo oposto. Nesse caso, Picareta poderia dedicar até algumas horas de devoção. Era uma criatura simpática, o Picareta, ninguém pode negar.
Quanto ao surf, bem, aí é que a coisa pega: o nosso Picareta era calhorda, não surfava nada. O que era compreensível já que, pobre, não tinha muitas condições de ir à praia constantemente e, diziam os maldosos, tinha um pouco de preguiça de passar arrebentações, remar correntezas, essas coisas que – eu compreendo – são chatíssimas. É, ele não pegava onda. Mas fazia onda que era uma beleza. Tanto que, quem não conhecia esse detalhe, quem nunca o havia visto surfar ou tentar fazê-lo, apostaria na ferocidade do seu surf. Tenho certeza que até ele mesmo acreditava. Porque só dessa forma, só acreditando muito no que diz, se consegue não deixar dúvidas em ninguém.
Poucas vezes ele cometeu falhas que comprometessem seu cartaz. E nessas poucas vezes, a falha resultou dessa autoconfiança maluca que ele tinha. Esse negócio de acreditar nas próprias fantasias, não tem? Um desses momentos se deu quando, se eu não me engano no Morro das Pedras – praia onde o pessoal do Estreito é local – estava acontecendo um campeonato entre os estreitenses. O Picareta, que estava ali só de passagem, não se conteve quando a rapaziada, todos conhecidos, botou na sua cabeça que o campeonato estava prá ele. Não foram necessários muitos “vai Paulo, vai Paulo” para ele entrar em um transe alucinógeno-vaidoso e esquecer que não tinha surf suficiente nem prá enfrentar o Morro, quanto mais prá um campeonato. E ele se inscreveu. Quando deu por si, “Inês já era morta”.
Pior é que o mar não estava pequeno e acredito que ele só se tocou da cagada quando teve que furar a primeira espuma, aquela que esfriou a sua cabeça. Porque, quem o viu entrando n’água, diz que suas feições sérias pareciam indicar que a bateria estava no papo mesmo. Mas após esse primeiro espumeiro, esse que o trouxe de volta à areia e à vida real, posso imaginar o conflito mental que se estabeleceu em cima da sua prancha, o medo do Morro das Pedras grande misturado à vergonha de mal conseguir surfar, nem ficar em pé direito e, acima de tudo, o medo de ser descoberto. Meu deus, Picareta teve que botar todos os seus criativos neurônios prá batalhar uma saída enquanto se esfalfava brigando contra a arrebentação. Essa, a arrebentação, ele passou se valendo mais da boa forma física que mantinha – era um grande nadador da praia do Cagão – do que da experiência de surfista. Quando ele chegou lá fora e sentou todo desequilibrado na prancha é que, imagino, olhou pro céu e perguntou: “e agora?”.
E a solução abençoada veio. O raciocínio simples e, ao mesmo tempo, espertíssimo deve ter sido o seguinte: se não posso revelar que não surfo nada, o jeito vai ser.... não surfar. E assim fez Picareta, ficou lá fora, na segurança, remando prá lá e prá cá. De vez em quando ameaçava descer uma mas, é lógico, puxava o bico e socava o mar, como que queixando-se da falta de sorte. Detalhe é que seus adversários se empapuçaram. E assim a bateria passou, Picareta pegou uma qualquer lá – das menores, é óbvio – e veio de jacaré.
“Dei azar, não estava me sentindo bem, aquele pão com mussi que a mãe me deu no café não me fez bem, tô cheio de gases”. Pronto, ninguém fez muitas perguntas. Alguns se solidarizaram, outros sentiram até pena da suposta situação gástrica do cara. Picareta estava salvo.
Mais fantástico ainda é que as meninas, muitas, que visitavam o quarto do Picareta – que não só tomava café mas também morava com a mãe – diziam, pasmem, que lá existia uma estante lotada de troféus. O cara, se medíssemos pelas taças, havia sido campeão de uma enormidade de torneios, campeonatos, etc. Alguns de amplitude estadual. Como? Só havia uma explicação: mandava fazer, ou gravava ele mesmo, os próprios troféus. E com estas armas, ele “matava” as cocotas no seu quartinho. “Pôoo, Paulinho, tu já ganhou todos estes campeonatos?”, perguntava a gatinha inocente. “É, eu dou as minhas cacetadas”, dizia o Picaretaço, todo orgulhoso. O guri era um gênio.
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