domingo, setembro 09, 2007

A Mãe do Surf - 1ª parte

Quem gosta mesmo de surf e conhece um pouco da história do esporte, sabe de cor o nome de vários caras pioneiros, dos desbravadores, daqueles que inovaram e foram os pais do surf como ele é hoje. Pouquíssimos, no entanto, conhecem a mãe do surf. Os parágrafos abaixo compõem uma tradução não muito livre do texto intitulado The Real Gidget, de Deanne Stillman, publicado no livro Surf Culture, The Art History of Surf. Este post será divido em dois e esta é a primeira parte. Se você surfa, conheça, a seguir, a sua mãe.
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O nome do restaurante Taco Bell de Chihuahua é Gidget, que é o que está escrito na placa do banheiro feminino do restaurante Tres Hombres, no Hawaii. Uma cozinheira, na internet, diz chamar-se Gidget, o Malibu Chicken da Califórnia oferece um sanduíche com este mesmo nome e a Barneys tem uma linha de batons também com o título Gidget. Que é ainda o nome de uma stripper da tv a cabo. E a banda sul californiana Suburban Lawns invoca a mesma entidade na cancão "Gidget goes to hell".

Existe uma pessoa que, ao ouvir a palavra Gidget, seja no nome de alguém, seja em algum produto, tem reações as mais diversas. Algumas vezes, ouvir este nome lhe provoca gargalhadas, em outras, amargas recordações. Há momentos em que essa pessoa tem vontade de processar um ou outro, o que acaba não fazendo simplesmente por não topar advogados. Mas na maioria das vezes, o que ela realmente sente é cansaço, exaustão que lhe deixa em silêncio. Esta pessoa é Gidget – não uma das sete atrizes que já interpretaram a serelepe gatinha de praia que ocasionalmente surfava e que, geralmente, se limitava a correr atrás dos rapazes – mas a Gidget verdadeira, cuja vida deu origem a uma nova cultura e a toda uma variedade de produtos, muitos com seu nome.

Conheci Gidget em 1986, quando escrevia para a série de tv The New Gidget, juntando-me à legião de pessoas que por décadas espelharam-se na sua vida. Eu mantinha como uma das leis da minha carreira profissional nunca associar-me a qualquer projeto que contivesse o termo The New no título, mas como estava quebrada, recém-separada e vivendo a base de miojo, não tinha muita escolha.
E logo descobri que tinha muita coisa a aprender, precisaria de muita bagagem para poder escrever este programa. Afinal, The New Gidget era a ponta de uma extensa linhagem de muitos outros produtos. Tratava-se da seqüência de outra série (Gidget) que havia se originado em um filme (Gidget goes to Rome) que, por sua vez, era baseado em outros três surgidos a partir do primeiro de todos os Gidget, um filme peculiar estrelado por Sandra Dee e seus decotes "cadillac-fin". Até esse não era tão original assim, já que era uma adaptação do livro Gidget, The Little Girl with the Big Ideas. Escrito pelo pai de Gidget, este romance era baseado nas aventuras praieiras que a verdadeira dona do nome viveu em Malibu, durante a década de 1950.
Um dia, um dos produtores da série em que trabalhava entrou no meu escritório acompanhado por uma morena baixinha, quarentona e atraente, que vestia calças coladas e um top. "Esta é a Gidget", disse ele. "Essa Surfava mesmo". Eu a vi e arrisquei um inseguro aceno. Como membro desse aparato que tinha como função gerar uma série longa de tv feita de piadas baseadas em expressões aê-só-irado-bróder-uhuu, coisas sem muito compromisso, de repente cai na real. Descobri que eu teria era que reinventar a vida de uma pessoa de verdade, uma vida que já havia sido reinventada incontáveis vezes. Eu realmente não contava conhecer a fonte do meu trabalho, a mesma que o escritor de surf Craig Stecyk disse haver passado pelo "o mais bem-sucedido e duradouro episódio de exploração adolescente desde Joana D'Arc".
Gidget me pareceu estar desconfortável também. Tentei imaginar como ela poderia se sentir a respeito de todo essa iniciativa boba. Como seria conhecer pessoas que ganhavam a vida inventando estórias sobre um personagem holiudiano para quem ela havia emprestado seu próprio nome?
Então, ela me devolveu um rápido "oi". "Fora da praia, ela é conhecida como Kathy Kohner Zuckerman", continuou o produtor. "Não, me chame de Gidget", disse ela rapidamente, dando ênfase ao nome e deixando ao mesmo tempo a sala. Situação chata, alguém tentou mudar de assunto, o produtor pediu desculpas e, saindo, me ofereceu um "talvez, outro dia" como consolo.
Inesperadamente, meu trabalho tomou uma nova dimensão, tornando-se até interessante. Seria Gidget da religião hebraica? imaginava eu, enquanto observava seus sobrenomes. Tive certeza de que a surfista mais famosa dos Estados Unidos era, na verdade, uma judia, e soube ainda que a rainha das praias californianas - por tanto tempo consideradas domínios de belos louros e louras - tinha uma história de família que incluía a fuga da Europa – e dos nazistas loucos pela pureza ariana – e o encontro com o venerado sonho americano da busca pela felicidade.

Como sempre acreditei que o escritor deve ir às origens de qualquer assunto, decidi que era hora de ler o obscuro livro de Frederick Kohner, o Pai de Gidget. Estranhamente, não havia uma única copia dele na Columbia, o estúdio no qual trabalhava e que já vinha há décadas produzindo coisas com a marca Gidget. Levei semanas procurando. Parecia até que o conhecido romance de surf estava há tempos fora de catálogo, como uma mina de ouro que já se houvesse se esgotado. A biblioteca municipal de Los Angeles não o possuía, tampouco a de Beverly Hills. Nos sebos da cidade também não havia nem sombra dele, só de alguns trabalhos menores de Kohner, como Kiki e Montparnasse and Cherr Papa (ambos, contos a respeito de meninas adolescentes e precoces). Quanto mais árdua se tornava a busca, maior era a minha ansiedade. Finalmente, encontrei a mensagem na garrafa que por tanto tempo esteve à mercê da maré: um livro fininho, de páginas amarelas, que há seis anos ninguém mexia, estava escondido sobre uma pilha de outros trabalhos de autores cujos nomes começavam com K, nas prateleiras da biblioteca pública de Santa Mônica, a cinco quadras da praia. Era como se as ondas o tivessem deixado ali. A pivete, na capa, atraiu minha atenção, convidando-me para me unir a ela e a dois surfistas magrelos sob as palmeiras que compunham o cenário.

"Estou escrevendo isso", começa o livro, "porque uma vez ouvi que, com a idade, tornamo-nos cada vez mais esquecidos e eu seria a mais desconsolada das mulheres se por qualquer motivo eu esquecesse o que aconteceu neste verão". Na pessoa de uma adolescente que descobre e se apaixona pela vida, utilizando um vocabulário até hoje usado pelos surfistas, Kohner descreve o verão em que Gidget completa 16 anos e aprende a surfar. O resultado é essa história tão contada e recontada que acabou por atrair incontáveis malucos para a costa sul californiana, enfezando os surfistas locais que pensavam serem privadas as ondas da região.
Esperei alguns meses e, mesmo após a The New Gidget ser cancelada, busquei manter contato com sua progenitora. Durante as conversas, que se prolongaram por anos, Gidget revelava apenas curtos fatos de seu passado no surf. Sim, ela era judia, e daí? Não, ela nao surfava mais, por quê o faria? Sim, ela estava casada e tinha dois filhos que, ocasionalmente, surfavam. Dizia que gostava dos filmes sobre Gidget, que as séries de tv - todas as três - eram até boas, e que tinha orgulho de ter sido matéria-prima do livro de seu pai e do sucesso que ele obteve. E de repente, ela passava a me entrevistar: "Por que você me faz todas estas perguntas? O que todo mundo quer de mim? Eu era apenas uma garota que surfava, só isso". E, então, o diálogo se encerrava.
Então, há alguns anos ela me chamou para sua casa. "Você pode vir agora?", ela me perguntou com um certo ar impaciente, de menina. "Estou completando 60 anos. Está na hora de falar sobre Malibu".
Malibu, a que ela se referia, resumia todos os aspectos da vida em Malibu Point de 1956 até 1959. Neste sagrado templo do surf, figuras legendárias como Mickey "Da Cat" Dora dançavam sobre as ondas e para as lendas. Mysto George, The Fencer, Moondoggie, Golden Boy, Scooter, Meatball, Meat Loaf e Tubesteak adotaram a precoce adolescente e a apelidaram, como faziam uns com os outros, baseados nas suas mais notáveis características: ela era uma menina (GIrl) – uma das poucas que surfavam naquele tempo – e media um pouco mais de um metro e meio, ou seja, era uma anã (miDGET). Nasceu uma sereia: Gidget.

Visitei a modesta casa de Gidget, um sítio em um calmo vale em Pacific Palisades, a minutos da praia. Ela e Marvin Zuckerman, seu marido dez anos mais velho, estudioso de idish – idioma judeu da Europa Central – e coordenador da universidade local, viviam naquele lugar desde que se casaram, em 1964. Quando se conheceram, Marvin não conhecia Gidget - o filme –, tampouco tinha familiaridade com a cultura praieira. "Cresci em Nova York", disse ele. "Sou um acadêmico. Só assistia a filmes estrangeiros". Até aquele momento, ele ainda não havia tentado surfar mas Gidget o ensinara a esquiar, atividade que praticavam freqüentemente no Sun Valley, em Idaho, durante as férias familiares. Seus dois filhos já eram adultos, apesar de Gidget ainda se referir a duas camas dos quartos vazios como a do Phil e a do David.
Ainda elegante e em forma, Gidget me guiou por sua casa que, à primeira vista, parecia de um colecionador de coisas antigas do velho mundo. Havia muitos livros e um piano (outro hobby da dona da casa). E no corredor, me deparei com uma grande foto em preto e branco de uma linda menina na praia com sua prancha, vestindo um sorriso inocente e o modesto maiô dos anos 1950. "Esta sou eu", disse ela orgulhosa. Nesse momento, a Gidget que me falava parecia tão feliz quanto a da foto. Neste instante ela se tornara uma Gidget diferente daquela que conheci na Columbia. "Esta é a foto que saiu na Life Magazine".
Eu reconheci aquela foto embora não lembrasse quando e onde a havia visto. Era uma imagem daquelas que resumem tão perfeitamente um mundo, uma cultura, que não restava mais nada a dizer. A Gidget daquela foto era a mesma que inspirou o surgimento de um novo estilo de vida litorâneo, aquela que deu origem a tantos projetos e produtos e que agora me carregava através de seu passado. Nos dirigimos ao pátio enquanto ela me contava como tudo começou. "Vivíamos em Bretwood", disse. "Minha mãe costumava dar carona para alguns garotos vizinhos até a praia. Eles colocavam suas pranchas sobre o carro. Eu ia junto. Queria surfar. Parecia tão divertido. Enchia o saco de todos pedindo que me ensinassem. Me lembro de perguntar ao Scooter se o estava incomodando. “Não, só quando respira”, disse ele. Havia o Tubesteak, que vivia em uma cabana. Alguns outros estavam sempre por ali, sempre famintos. Acredito que a maioria viviam por ali mesmo".
A região da cabana citada por ela era um desses locais santos do surf. Assim como também era The Pit (o buraco). A simples menção deste lugar entre os surfistas, especialmente entre aqueles que corriam Malibu nos anos 1950, provoca lembranças de feitos e personagens em uma espécie de mitologia que uniu para sempre a tribo das ondas. Em suas peregrinações à praia, Gidget levava uma cesta de piquenique cheia de sanduíches que costumava trocar com Tubsteak pela utilização da sua prancha. Não demorou muito até ela comprar a sua própria por 35 dólares de Mike Doyle, um conhecido shaper local. "Gostaria de ainda ter essa prancha", lamentou. "Era azul e tinha um totem desenhado nela. Hoje, ela valeria uma pequena fortuna". Segundo Craig Stecyk, Gidget subestima o seu valor. "Se somarmos todo o comércio gerado pelos filmes e séries de tv", alertou, "sem mencionarmos toda a indústria do surf que irrompeu nos anos 1960, temos um império bilionário armado quase que inteiramente nas costas de Gidget".
E realmente, a não ser pela grana gerada pela utilização do nome Gidget em uma série de negócios (que não é tanto assim, já que se tratavam de acordos feitos na década de 1950, quando os valores eram minúsculos comparados aos de hoje), não se pode dizer que a Família de Gidget está com a vida garantida economicamente. Mesmo assim, nas últimas 4 décadas, a cultura do surf e da praia gerou negócios milionários para um grupo de surfistas do sul da Califórnia. Alguns deles vêem graça quando alguém sugere a responsabilidade de Gidget pelas ondas com as quais eles lucram, outros simplesmente ignoram o papel dela e de seu pai na divulgação da cultura do surf mesmo entre pessoas que vivem longe do mar ou que não têm qualquer intimidade com ele.

3 Comentários:

Blogger Felipe Siebert said...

cara, sem palavras...

parabéns pela iniciativa de traduzir esse texto...

ja tinha teu blog no google reader, tinha lido outros textos mais recente, mas esse ainda não...

engraçado que achei teu blog, procurando per "Gidget surf filme" no google pois vi este filme "Gidget (1959)" para download num site e fiquei curioso...

esse teu texto me instigou para ver o filme, mesmo sabendo que é um filme tosco/hollywood, mas que deve ter impulsionado a influencia do surf, alem do que as cenas filmadas de longe são de verdade pelo menos... achei uns trailers no youtube...

é isso...

adicionei teu blog no meu blogroll beleza?

se todos surfistas da ilha tivessem o teu nível, eu seria feliz...

abraço,

9:30 AM  
Blogger Surf said...

Muito, muito, muito bom!!!

9:16 AM  
Anonymous Anônimo said...

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semelokertes marchimundui

4:30 AM  

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