terça-feira, fevereiro 07, 2006

A privatização da Ilha de Santa Catarina e a minha estupidez.

Eu sou um ignorante porque não consigo ver como o turismo pode ser bom para a Ilha de Santa Catarina. Sou um tanso porque, ao mesmo tempo em que não tenho nada contra os turistas nem contra quem vive (ou tenta viver) honestamente da atividade em Florianópolis, sou incapaz de entender as aberrações que são permitidas na cidade e justificadas por que fomentariam o turismo.

Sou mesmo uma besta porque concluo que o turista vem para a Ilha em busca de belezas naturais e acho que isso não combina com aquele desmatamento gigantesco que ocorreu há pouco tempo em Jurerê e que o Ministério Público está investigando. Totalmente banzo, não acredito que as pessoas que vêm passar uma semana na Ilha comprem lotes milionários naquela praia. Nem que os destruidores daquela área ou os compradores de casas, apartamentos – sei lá o que vão inventar lá –, venham a gerar um emprego sequer no local.

Sou um abobado por desconfiar que, além de colar papelzinho no Arante, a grande maioria das pessoas que vem curtir Florianópolis quer ver é o mar, não mansões à beira dele. Esses turistas, da espécie que em grupos de 10 aluga casa na Lagoa, querem poder chegar à praia sem ter que invadir qualquer propriedade privada.

Sou um demente porque vivo batendo na tecla de que o que aconteceu na Praia Brava foi um desastre gigantesco, um prejuízo para todos, menos para os dois ou três empresários que ganharam e continuam ganhando dinheiro vendendo apartamentos cafonas, com nomes estrangeiros, que eles e os compradores nem sabem o que significam.

Os cinqüenta ou cem (sub) empregos gerados não explicam a atrocidade que representou a destruição total daquele lugar maravilhoso, que era meu, que era dos turistas, que era de todos nós e que agora é de meia dúzia de três ou quatro.

Sou um maníaco porque dei para rogar pragas e desejar que a próxima ressaca arranque aquela piscina que botaram lá, agora, quase dentro do mar. Aí, ao mesmo tempo, o panaca aqui vê que os caras que um dia autorizaram toda essa maldade, fecharem os estacionamentos da Praia Mole porque estes estariam (e até acho que estavam mesmo) crescendo demais. E querem também derrubar aqueles butecos e tudo.

Sou tão imbecil que até concordaria com o fim dos dois ou três butecos e também dos estacionamentos, se fechassem ao mesmo tempo os butecos, boates, sei lá, toda aquela nojeira da Praia Brava. Na minha mediocridade, tenho certeza que tem alguém muito espertalhão por trás dessa “utilização da lei” na Praia Mole, alguém de olho naquelas terras tão valiosas em frente ao mar, excepcionais para se por prédios, um “chateau de la mer” ou um “beach village”, quem sabe.

Sou um panaca porque rio quando lembro que o Sufoco, aquele bar lá do Campeche, foi derrubado pela Prefeitura e, enquanto isso, o Bar do Pirata continua a toda na Brava. (Do jeito que a praia está sumindo por não ter mais as dunas que lhe equilibravam a quantidade de areia, daqui a pouco neguinho vai poder mergulhar no mar direto da mesa do bar-palafita). Me digam por favor, respondam a esse bitolado aqui, qual é a diferença entre a os dois butecos, o do Pirata e o do Sufoco? A condição financeira dos donos? Ah, tá, agora entendi.

Alguém aí me dá uma luz e me explica quem é mais predatório, quem é mais selvagem e ganancioso, o crescimento dos estacionamentos da Mole – onde estacionam pagando, todo o verão, milhões de turistas não tão abonados – ou o constante avanço do Costão do Santinho sobre costão, restinga, dunas, todas aquelas áreas que eram públicas e que agora são de um punhado de milionários?

Nisso tudo, o meu espírito de porco só consegue enxergar pesos e medidas diferentes usadas com o único objetivo de se sepultar esta ilha sob uma lápide de concreto armado. No epitáfio, em letras coloridíssimas, ficará registrado: “Santa Catarina Island Resort Residence. Keep out”.

Uma quebrava e atrás já vinha outra. Todas azuis, mas todas diferentes...

Aí, naquele final de tarde, ele se sentou no topo da duna e ficou, de lá, contemplando o mar. Ventava, o cabelo ao ar, mas estava tudo confortável, apesar daquele friozinho de fim de abril, época também das melhores cores. Ele ali a observar as ondas – eram tantas, uma quebrava e atrás já vinha outra, todas azuis, mas todas diferentes. A princípio, nada demais, ele, a praia, o mar de sempre, mas naquele dia havia algo especial, uma sensação diferente, impar, detectável justamente porque, enquanto olhava a imensidão e as ondas, ele nelas não pensava. Nada lhe passava a não ser um bem estar, o prazer simples de apenas assistir o mar.

Ao mesmo tempo, ele percebia emergir uma pontinha de tristeza da qual não sabia a origem. Talvez não fosse tristeza – palavra exagerada –, talvez fosse apenas saudade, saudade que ele tampouco sabia de que. Era algo que já vinha sentindo a algumas semanas, no começo só uns brancos estranhos que lhe abatiam ocasionalmente, aquela vez no ônibus, por exemplo, e naquele outro momento, no trampo. E essa coisa estava atingindo seu climax ali, em cima da duna, enquanto ele admirava o mar, enquanto ele notava a variabilidade e a imperfeição das ondas. Era uma alegria triste, uma nostalgia – talvez essa seja a palavra mais certa: nostalgia. E ele sorriu olhando o mar e, se alguém o visse, diria que estava doido, ou que fumara aquelas coisas que passarinho não fuma. Foi então que, enquanto sorria, seus olhos se encharcaram de lágrimas. Não entendia o que se passava mas, ao mesmo tempo, incrível, ele tampouco sentia vergonha ou tentava se recompor. Simplesmente não estava pensando muito, só sentindo, só olhando, sorrindo e chorando. Enxugou as lágrimas na camiseta branca antes de vesti-la porque o vento apertara e o sol estava a ponto de se mandar.

Sua namorada veio e sentou ao seu lado. Não disse qualquer coisa porque, depois de tantos anos, já o conhecia e via que algo estava errado. Parecia que ele nem notara a sua chegada, absorvido pelo mar que estava, misturando o meio sorriso a um olhar triste. Já de pé, ainda olhando para o oceano, mais restabelecido, ele sentia que algo lhe acontecera naqueles minutos, naqueles momentos sobre a duna. Tinha noção de que aquilo que lhe passara era uma coisa nova, um negócio tão importante quanto indecifrável e, por isso, inesquecível. Era como se ele não fosse mais ele próprio, mas outra pessoa, e essa o observava de fora. Para deixar mais claro: a partir daquele momento na duna, em frente ao mar e à seqüência infinita e imperfeita de ondas, aos 30 anos, ele passou a observar a si mesmo, a se conhecer melhor e compreender as imperfeições da sua vida, a entender cada pensamento bom ou ruim que lhe vinha, todas as coisas legais e todas as cagadas que fez ao longo da sua existência. Não que ele não fosse mais cometer erros, claro que iria, mas pelo menos, daquele momento em diante, ele sabia que esses seriam muito mais conscientes.

Da duna para frente, ele passou a ter certeza das coisas que gosta e das que detesta. Exatamente naquela tarde, o mar, visto lá de cima, lavou-lhe as incertezas e os vacilos. E o acontecido lhe deixou até conseqüências físicas: estava exausto, um cansaço gostoso de quem corre 10 quilômetros e tem como prêmio o corpo irrigado pela endorfina relaxante. Até sede ele tinha. Alguns minutos se passaram até que, subitamente, ele virou-se e convidou a namorada: “vam’bora?” Abraçado a ela, prancha debaixo do outro braço, caminhou para o carro, aprontou tudo e foi. Semanas depois, passou a dividir uma casa com esta mesma moça. Hoje tem dois filhos e está bem.