A Mãe do Surf - 3ª parte
Finalmente, terminei esse texto. É que eu andava ocupado e não conseguiria escrever outra porcaria sem terminar essa. Pois bem. É a terceira parte. A segunda e a primeira estão abaixo dela.
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"Isso veio daquela famosa festa no The Glen, quando todos baixaram as calças. Mas não conte a ninguém. Bill estava lá - Bill 'Moondoggie' Jensen". Outras anotações daquele mesmo ano registram outras malvadezas: "Golden Boy enterrou minha prancha na areia e desconectou o distribuidor do meu carro. Atirei um abacaxi na cara dele".
Há, então, uma nota ameaçadora: "alguém pintou uma suástica na nossa calçada". Perguntei sobre a reação da família. O assunto traz tantas más lembranças que Gidget preferiu não aprofundá-lo. Mas a verdade é que a conexão suástica-surf não era novidade. Já nos anos 1930, uma linha de pranchas já a trazia como adorno e ainda hoje permanece a controvérsia a respeito da origem dela, se oriunda dos nazistas ou dos índios, que também a usavam. Houve um tempo em que até a famosa Malibu Shack (espécie de cabana freqüentada pelos surfistas da década de 50) tinha a suástica pintada em uma de suas paredes, embora ninguém assuma ou aponte quem a gravou, ou porquê.
Por volta de 1958, Malibu mudou. Nos registros do diário de Gidget, consta que no dia 30 de junho ela foi assistir às filmagens do longa metragem baseado na sua própria vida. "Meu Deus, sempre achei estúpido ver Sandra Dee interpretando a minha vida. Todos os atores pareciam umas bichonas. Era muito engraçado. Não acreditava que era um filme a meu respeito".
Subitamente cansada, Gidget fechou o diário dizendo, "Puts, isso não está certo. Falamos tanto e eu esqueci de dizer o que eu penso sobre tudo isso".
Tempos depois, acompanhei Gidget em um retorno à Malibu. O dia estava perfeito e a praia não estava muito cheia. “Boas ondas”, observou Gidget. Então, enquanto caminhávamos próximo ao “buraco”, em direção ao local onde antes era o Shack, ela me cutucou, “menina, você viu aquilo?” e tirou suas sandalhas. O ambiente, obviamente, era, para ela, um poço de memórias. “Meu Deus, lá está Mysto”. Mysto George nunca perde um bom dia de surf em Malibu desde 1954, e permanece até hoje, décadas depois de Gidget e seus contemporâneos se dispersarem; até mesmo depois de a rapaziada mais jovem fugir de Malibu por conta do esgoto na água.
De long-john, incluindo capuz, com aqueles mesmos intensos olhos azul-marinho que só alguns surfistas têm, George carregava seu surrado long board, pronto para entrar na água, quando Gidget chegou-se. “Bem ‘bitching”, hoje, heim?”, indagou. “Yeah”, disse George. Conversaram e Mysto perguntou-lhe se gostaria de surfar. Ela, então, disse que vinha pensando na idéia (na tarde do mesmo dia, ela realmente levou sua velha prancha para o conserto).
Alguns dias depois, uma edição comemorativa da Revista Surfer chegou às bancas. Nela, Gidget era a sétima na lista dos 25 mais importantes surfistas do século XX. Tratava-se de um registro corajoso deste clássico periódico da “surf culture” norte-americana, sempre tão masculino, na qual a mulher poderia até ter certo espaço mas nunca o suficiente para ser incluída em um ranking de tamanha importância. Eram apenas duas mulheres presentes e Gidget não estava muito abaixo de Duke Kahanamoku – o havaiano universalmente adorado, pai do surf moderno – mas ficava acima de Miki Dora, reverenciado como pai do “surf style”. A posição dela, tão próxima desses deuses, deixou muita gente do “surf establishment” surpresa, mas a coisa já estava feita: a não-assumida surfista teve finalmente seu valor reconhecido por aqueles a quem ela tinha inspirado até o “ganha-pão”.
Com a virada do século, enquanto personalidades importantes e países pedem perdão uns para os outros por comportamentos errôneos do passado, talvez em preparação para o apocalipse, ou talvez apenas porque é chegado o tempo, é bom saber que Gidget por fim foi justiçada.
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"Isso veio daquela famosa festa no The Glen, quando todos baixaram as calças. Mas não conte a ninguém. Bill estava lá - Bill 'Moondoggie' Jensen". Outras anotações daquele mesmo ano registram outras malvadezas: "Golden Boy enterrou minha prancha na areia e desconectou o distribuidor do meu carro. Atirei um abacaxi na cara dele".
Há, então, uma nota ameaçadora: "alguém pintou uma suástica na nossa calçada". Perguntei sobre a reação da família. O assunto traz tantas más lembranças que Gidget preferiu não aprofundá-lo. Mas a verdade é que a conexão suástica-surf não era novidade. Já nos anos 1930, uma linha de pranchas já a trazia como adorno e ainda hoje permanece a controvérsia a respeito da origem dela, se oriunda dos nazistas ou dos índios, que também a usavam. Houve um tempo em que até a famosa Malibu Shack (espécie de cabana freqüentada pelos surfistas da década de 50) tinha a suástica pintada em uma de suas paredes, embora ninguém assuma ou aponte quem a gravou, ou porquê.
Por volta de 1958, Malibu mudou. Nos registros do diário de Gidget, consta que no dia 30 de junho ela foi assistir às filmagens do longa metragem baseado na sua própria vida. "Meu Deus, sempre achei estúpido ver Sandra Dee interpretando a minha vida. Todos os atores pareciam umas bichonas. Era muito engraçado. Não acreditava que era um filme a meu respeito".
Subitamente cansada, Gidget fechou o diário dizendo, "Puts, isso não está certo. Falamos tanto e eu esqueci de dizer o que eu penso sobre tudo isso".
Tempos depois, acompanhei Gidget em um retorno à Malibu. O dia estava perfeito e a praia não estava muito cheia. “Boas ondas”, observou Gidget. Então, enquanto caminhávamos próximo ao “buraco”, em direção ao local onde antes era o Shack, ela me cutucou, “menina, você viu aquilo?” e tirou suas sandalhas. O ambiente, obviamente, era, para ela, um poço de memórias. “Meu Deus, lá está Mysto”. Mysto George nunca perde um bom dia de surf em Malibu desde 1954, e permanece até hoje, décadas depois de Gidget e seus contemporâneos se dispersarem; até mesmo depois de a rapaziada mais jovem fugir de Malibu por conta do esgoto na água.
De long-john, incluindo capuz, com aqueles mesmos intensos olhos azul-marinho que só alguns surfistas têm, George carregava seu surrado long board, pronto para entrar na água, quando Gidget chegou-se. “Bem ‘bitching”, hoje, heim?”, indagou. “Yeah”, disse George. Conversaram e Mysto perguntou-lhe se gostaria de surfar. Ela, então, disse que vinha pensando na idéia (na tarde do mesmo dia, ela realmente levou sua velha prancha para o conserto).
Alguns dias depois, uma edição comemorativa da Revista Surfer chegou às bancas. Nela, Gidget era a sétima na lista dos 25 mais importantes surfistas do século XX. Tratava-se de um registro corajoso deste clássico periódico da “surf culture” norte-americana, sempre tão masculino, na qual a mulher poderia até ter certo espaço mas nunca o suficiente para ser incluída em um ranking de tamanha importância. Eram apenas duas mulheres presentes e Gidget não estava muito abaixo de Duke Kahanamoku – o havaiano universalmente adorado, pai do surf moderno – mas ficava acima de Miki Dora, reverenciado como pai do “surf style”. A posição dela, tão próxima desses deuses, deixou muita gente do “surf establishment” surpresa, mas a coisa já estava feita: a não-assumida surfista teve finalmente seu valor reconhecido por aqueles a quem ela tinha inspirado até o “ganha-pão”.
Com a virada do século, enquanto personalidades importantes e países pedem perdão uns para os outros por comportamentos errôneos do passado, talvez em preparação para o apocalipse, ou talvez apenas porque é chegado o tempo, é bom saber que Gidget por fim foi justiçada.